quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

A Duquesa e os cães

Estamos no inverno, mas resolvi falar de uma aventura de verão. Sou aficionada por caminhadas. Aliás, todos aqui em casa o são, para minha sorte. Ainda no auge do verão, resolvemos fazer uma caminhada por um belo local na Itália. Escolhi ao acaso um parque, usando aquele bom e velho instrumento de fotos por satélite. Sua beleza vista do alto me chamou a atenção. Não sabia absolutamente nada sobre a Riserva Naturale Regionale Montagne della Duchessa. Imprimi algumas informações, mapas, fiz reserva em um B&B e lá fomos nós. Um passeio barato e inesquecível.

Costumo dizer que na Itália até o "mato" é bonito!
"mato?"



Ficamos no Valle Amara, no sopé de uma das montanhas que formam a reserva, no distrito de Corvaro, onde também fica a sua sede. O vilarejo é maravilhoso, pequeno e acolhedor. Trata-se de um burgo medieval, cujas vielas ao anoitecer lhe transferem para um filme antigo, basta usar um pouco da imaginação. 



Dormimos maravilhados com o que vimos na cidade, mas a natureza ainda nos reservava uma grande surpresa no dia seguinte.





As montanhas são dominadas por uma superfície áspera, de campos perenes. Árvores de médio e grande porte não crescem por ali. Para quem está habituada com a exuberância da Mata Atlântica e da Amazônia, foi um pouco estranho. Mas, nem por isto, pode-se falar de beleza inferior. Apenas é outra beleza. As paisagens que o leitor pode admirar pelas fotos falam por si, poupam-me de ficar buscando adjetivos que talvez sejam injustos.






Nossos companheiros de caminhada!
Iniciamos cedo nossa subida pela montanha, após um café da manhã gentilmente preparado pelo proprietário do B&B, que, de quebra, ainda nos preparou uns sanduíches que depois se mostrariam muito valiosos. Logo na partida, fomos seguidos por três cães que moram nas vizinhanças. Tentamos, inutilmente, demovê-los da ideia de nos seguir. Foram bons companheiros. Aliás, foram nossa alegria durante todo o passeio. Com eles, compartilhamos nossa alegria, nosso êxtase diante de tanta beleza, nossos lanches e ainda, nossa água.





Não havia refúgios para nos abastecer, ou, ao menos, não os encontramos. Depois descobrimos que chegamos perto de uma fonte de água, mas o cansaço nos impediu de continuar. Se tivéssemos andado mais algumas centenas de metros, teríamos chegado lá. Os cães acharam um poço natural formado por uma raiz, com água de chuva acumulada e ali colocamos um pouco de nosso precioso líquido para eles.




Fizemos apenas uma das montanhas, existem outros itinerários, mas uma subida por fim de semana já apaziguou a vontade de estar em meio à natureza. Retornamos com sede e o calor nos exauriu. Cansados sim, mas só no corpo físico, pois a alma não poderia estar mais leve.

sábado, 10 de dezembro de 2011

A torre pendente e muito mais



Uma das cidades mais visitadas da Itália é Pisa. E eu recomendo. Seu centro histórico é bastante concentrado, pode-se fazer praticamente tudo a pé, sem necessidade de se recorrer a um carro e isto é muito bom.

Campo dei Miracoli: batistério (esquerda), camposanto (ao fundo)
catedral (ao centro) com a torre


A Torre Pendente, como dizem os italianos, fica no Campo dei Miracoli, que comporta ainda a catedral e o batistério, além do camposanto (cemitério). É possível visitar estes monumentos em um só dia. Entretanto, é recomendável fazer a prévia aquisição do ingresso de subida ao topo da torre, pois há uma limitação de horários e de número de visitantes que podem fazer a subida por vez. É possível a compra casada dos bilhetes para entrar em outros monumentos, ficando mais barato. Pode-se, inclusive, comprá-los à noite para o dia seguinte. Fiz assim e não me arrependi, pois os primeiros horários do dia seguinte já estavam esgotados. Se puder passar a noite na cidade, visite neste período o Campo dei Miracoli. Os monumentos iluminados são fantásticos e dependendo da época do ano, a torre fica aberta à visitação. E volte no dia seguinte com a luz do sol.

Terra de cientista, gerou,  entre outros,  Fibonacci e  Galileu Galilei. Teria sido do alto da famosa torre que este último teria realizado um de seus mais famosos experimentos. Para Galileu, o peso do corpo não deveria influenciar no tempo da queda. No início da escadaria da torre há uma menção ao fato, o qual nem todos estão de acordo que efetivamente teria ocorrido naquele local.


O camposanto foi bombardeado durante a Segunda Guerra e grande parte de seus afrescos foi destruída, mas, ainda assim permanece muito bonito. O teto foi completamente refeito, já que foi posto abaixo pelas bombas na ocasião e os afrescos estão sendo recuperados.






O Rio Arno corta a cidade e dá-lhe ainda mais um belo aspecto, digno de cartão-postal. É à  sua beira que está a Chiesa di Santa Maria della Spina. Em estilo gótico, seu exterior é belíssimo. Não posso falar do interior, pois estava fechada (me dói o coração saber que não pude visitá-la). Em razão das proximidades com o rio e do terreno que cedia, sofreu diversas intervenções, inclusive sua remoção para alguns metros mais longe do rio. A pequena igreja resistiu e é muito procurada pelos visitantes. Brava Maria!

E para não perder o bom humor:

Pisada desenhada num piso de Pisa

E pra subir na torre: pisa, pisa...

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

O Ghetto


É um de meus locais preferidos em Roma. Maioria no local, desde que em 1555 uma bula papal os obrigou a morar em seu interior, os judeus ainda mantém ali muitas de suas tradiçõesO local compreende alguns poucos quarteirões e tem uma bela arquitetura, que compreende, é claro, diversas fases pelas quais a cidade passou. Tem o Portico di Ottavia, da Roma Antiga, uma sinagoga do início do século passado e um belo casario oitocentesco. Seus restaurantes são muito procurados pelos turistas e caminhar pelo local é bastante agradável, como aliás ocorre quase sempre em Roma. 


O posto e seu entorno transpiram arte. Seja pelas cores marcantes, seja pela sua arquitetura, seja pelas lojas dedicadas às diversas expressões artísticas.



Não se pode, entretanto, passar pelo Ghetto e não imaginar o pesadelo que aconteceu ali na madrugada de 16 de outubro de 1943: mais de mil judeus foram capturados, forçados a deixar suas casas e transportados de trem até o horror de Auschwitz. Menos de 20 sobreviveram, somente uma mulher. Nenhuma criança retornou. O fato é relembrado em frente ao Portico di Ottavia e em outros locais do bairro. 























Felizmente, hoje, o local é invadido por outras hordas: turistas, locais, famílias, e até ciclistas. As ruas quase sempre fechadas ao tráfego favorecem a turma do pedal. E tem também os aficionados como eu! 

Se estiver por Roma, não deixe de ir ao Ghetto, a pé ou de magrela. E aproveite para atravessar o Tevere e chegar até a Isola Tiberina, da qual oportunamente vou falar. Ou, do lado oposto, descer o Portico di Ottavia e apreciar o Teatro di Marcello, passar pelo Campidoglio, pelo Vitoriano, pela Piazza Venezia, pelo Coliseu...

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Meu encontro com Cecília

Paisagem que inspirou Cecília

Uma bela tarde, voltando para casa seguindo as margens do Tevere, vejo nas paredes de canalização do rio alguns poemas que se referem à cidade. Leio-os, despretensiosamente. Num átimo, algo me chama a atenção: escrito em Português com a tradução mais abaixo, estava lá o poema Adeus a Roma, de Cecília Meireles, da sua obra Poemas Italianos. 



Chego em casa e corro para o computador, para fazer aquela busca tradicional... Cecília Meireles viajou com o marido pela Itália em 1953, quando escreveu os poemas em questão. São lindos. Que frase mais lugar-comum para descrever a obra da poeta, mas não me ocorre outra. Para mim, basta apreciar, não me sinto à vontade para comentar seu estilo ou afirmar que tais poemas são os seus melhores ou piores. Para mim, basta que me emocionem.


Releio os versos e os entendo perfeitamente. Quanta precisão e quanta sutileza para descrever cenas tão tipicamente romanas. Cecília numa folha de papel sempre encanta. Ler seus versos na paredes do Tevere é incorporar o seu espírito e achar que a obra dela, também é sua. Bella Cecília.



quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Il Vittoriano

Situado na Piazza Venezia, o Vittoriano é uma dos monumentos mais belos de Roma. Comparado aos tradicionais, é bastante "jovem": foi inaugurado oficialmente em 1911, para celebrar os cinquenta anos da unificação do país. Em estilo neoclássico, é repleto de simbolismos, com suas estátuas, inscrições e dedicatórias. Trata-se de um monumento grandioso, que chama a atenção de quem passa por ali e enche os olhos dos turistas.


Rei Vittorio Emanuelle II
Seu nome se deve ao Rei Vittorio Emanuelle II, o primeiro rei italiano e chamado de "pai da pátria". Há uma bela estátua equestre em sua homenagem, no lado externo.

Precisamos recordar que a unificação da Itália se deu tardiamente, com um movimento conhecido como Risorgimento, do qual o nosso conhecido e amado Giuseppe Garibaldi participou ativamente. Seu interior, aliás, abriga objetos que se referem ao "herói de dois mundos".

O lado externo comporta ainda o "altar da pátria", o qual guarda o corpo de um soldado desconhecido que combateu na Primeira Guerra, escolhido aleatoriamente pela mãe de um jovem que desapareceu na mesma guerra.

A entrada é grátis e indubitavelmente o local merece ser visitado. Recomendo uma subidinha à "Terraza delle Quadrighe"*, situada no alto do edifício, a qual proporciona uma bela vista de Roma. Paga-se para usar o elevador, mas vale a pena... se der, faça uma pausa para tomar um café no bar que fica no meio do caminho, que ninguém é de ferro...


* Se como eu você não sabia o que é uma "quadriga", vou poupar-lhe uma busca no dicionário (sou do tempo em que se usava um dicionário, o Aurélio, para desvendar tais mistérios). Trata-se de uma carruagem ou assemelhada puxada por quatro cavalos. Há duas estátuas destas no alto do edifício, razão pela qual o terraço recebe este nome. 

p.s.: a busca ao dicionário continua válida, provavelmente você vai aprender muito mais do que o significado mais preciso de "quadriga".


domingo, 20 de novembro de 2011

Vou de bici

Usar bicicletas como meio de locomoção é algo muito habitual na Europa, de forma geral. Na Itália também, em especial em algumas cidades. Ter um centro histórico, com vielas que dificultam o tráfego de veículos ajuda a explicar a tradição.
Sede de uma das mais antigas universidades da Europa, senão a mais antiga, e do primeiro Museu de História Natural do mundo, Bologna é uma cidade robusta. Tem várias torres e uma bela praça, a Piazza Maggiore, enfim, diversos marcos culturais. A numerosa quantidade de estudantes parece contribuir para aumentar o uso das magrelas na cidade. Pisa, também é um belo lugar. Com seus principais atrativos reunidos em um só local, a Piazza dei Miracoli, é bem fácil conhecer a cidade sem o uso de um automóvel. Rival de Pisa há séculos, Lucca também tem um centro histórico fácil de se conhecer pedalando.

Não existe nada de novo no assunto. Tampouco vou me aprofundar para falar da importância que o bom hábito de deixar o carro na garagem traz para o bem-estar do planeta.
 
Vou falar (mas só um pouco) sobre as bicicletas que vi nestas cidades e pela paixão que elas me despertaram. Não se tratavam de bicicletas caras, com toda aquela parafernália que normalmente chama a atenção no equipamento. E olha que a Itália tem tradição no setor e marcas conhecidas. Jovens, idosos, mulheres de saia, famílias, turistas, as bicicletas não selecionam o seu usuário. Enfeitadas, antigas, coloridas, ou simplesmente estacionadas em frente a um belo local, usando o fundo como uma moldura, dariam um belo cartão postal, fosse eu uma grande fotógrafa.

O meu post de hoje é, pois, mais para ver do que para ler (felizardo leitor). Apreciem sem moderação, o visual e a bicicleta.
                                                                                 
Bicicleta de madeira: escassez de ferro durante a Segunda Gerra Mundial
 

p.s.: sei que as motocicletas não são bicicletas... mas não resisto em colocar aqui a foto dos motorinos coloridos. Belíssimos. Italianos.

domingo, 13 de novembro de 2011

Arrivederci

Já estou debaixo das cobertas - o outono romano é quase o inverno sulista no Brasil - quando escuto os carros buzinarem pelas ruas. Buzinas pelas ruas de Roma é algo absolutamente normal. Quem morou em Brasília estranha profundamente tal hábito. Inicialmente, penso que se trata de mais uma rusga de trânsito. Mas, o continuar de tal barulho e os gritos de alegria que aumentam, fazem-me pensar que algo está acontecendo.  Fosse no Brasil, em dia de jogo de copa do mundo de futebol, imaginaria que se tratasse de uma vitória da amarelinha. Mas, estou na Itália e não é hora de nenhum jogo importante. Então, algo tem. Em poucos segundos, me dou conta: Berlusconi renunciou. Ligo a televisão e minhas suspeitas se confirmam. Pontos estratégicos estão cheio de pessoas (e de polícia), gritos de meus vizinhos nas janelas, desconhecidos cantam e fazem trenzinho pelas ruas, abrem prosecco (afinal, italiano que se preze abre prosecco para comemorar e não champagne)... e as buzinas continuam. A multidão invade a Praça do Quirinale, antigo palácio papal e atual residência do presidente da república italiana. Uma orquestra toca o "Aleluia"... neste momento, não posso deixar de rir, mesmo diante de tal problema. Dio santo! Preciso me controlar. Isto não é politicamente correto. O assunto é sério. A Europa está em crise e a Grécia também acaba de trocar seu comando. Espero que o velho continente passe bem por mais esta. Oxalá!
 
O Quirinale num dia de calmaria

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Asterix e Obelix a favore di Cesare

Muito bonitinha a cidade de Lucca, na Toscana. Fundada pelos lígures, invadida por etruscos, romanos, longobardos e francos, guarda dentro de suas muralhas renascentistas belas vielas e um centro medieval. Um dia, sem muita pressa, é suficiente para conhecer o local, a menos que você tenha algum especial interesse ou tempo sobrando, já que as cidades da Itália invariavelmente são muito agradáveis.
Vale a pena conhecer o local. A Piazza San Micheli com sua igreja merece uma visita, assim como a Piazza del Mercato e a  Torre delle Ore.

Lá vamos nós, esperando encontrar impressionantes obras do Renascimento e um núcleo urbano antigo com instalações medievais.
Alguns passos pela cidade, porém, e nos deparamos com pessoas um tanto quanto estranhas (não que eu seja preconceituosa, aceito bem a diversidade e, afinal,  sou   moradora de uma metrópole): eram super-homens, cachorros personalizados, mãos de tesoura, piratas... (e aí foi impossível não “reparar”). Pensei: “que coisa moderna”.

De repente, parecia que os personagens haviam pulado de um canal de desenhos animados para as vielas de Lucca, talvez por estarem cansados de trabalhar, já que 2011 está se acabando e a rotina de super-heróis e vilões não deve ser fácil... salvar o mundo (ou tentar destruí-lo), cansa.
A cidade histórica, que passou pela influência de tantos povos, estava novamente tomada por diversas tribos. Mas agora, todas juntas. Bem contemporâneo. Eu, entretanto, não estava preparada para trombar com vikings, cavaleiros da távola redonda, e ainda, com Obelix e Cesare numa charla animada no meio da rua.

Peculiar, Lucca. Muito interessante. Pouco vi dos monumentos, já que havia imensas tendas na frente deles. 
Enfim, Lucca merita una visita, mesmo que seja para se encontrar com a Minnie Mouse pela frente.
Ah, em tempo de justificar o porquê de tudo isso, fui em busca de informações e só então entendi que estava acontecendo na cidade um tal de festival internacional de comics... Como sou das antigas, não sei bem o que isto quer dizer. Talvez o Obelix possa explicar...



sábado, 5 de novembro de 2011

Turista sofre

Eu tive a falsa impressão, por muito tempo, de que ser turista era a coisa mais fácil do mundo. Ledo engano. Turista sofre. Viajar estressa. E como. Começa com o arrumar da mala. O que levar, levar roupas de inverno, de verão, ou de mais ou menos? Depois, aeroporto, a incerteza de conseguir pegar a conexão e a probabilidade de ter sua mala perdida. Já falei a respeito de uma mala perdida... Puro sofrimento. Nem vou mencionar a alfândega e a imigração... Mesmo com tudo em dia, sempre achamos que algo pode acontecer (e realmente pode, afinal shit happens).

Depois, já instalado, decidir o que fazer, qual passeio optar (normalmente você só tem pouquíssimos dias ou horas e muitas coisas para ver). Isto estressa a pessoa.

Outra coisa que causa grande apreensão ao turista é escolher não apenas o restaurante, mas, principalmente QUAL prato vai querer. Se a pessoa for habituada ao idioma e à culinária local, ótimo. Caso contrário, mais estresse. Normalmente aquilo que você pede não é aquilo que você imaginava ser. Mas a culpa não é do garçom, é do turista. E isto estressa.

Outro fator de sofrimento é o cansaço. Os Museus Vaticanos são belíssimos. Vale a pena fazer um belo passeio por lá e ser premiado com a Capela Sistina, ao final. Mas que cansa, cansa. Sem contar com a fila enorme para a compra do ingresso. Estressa.

Mas, uma das principais causas do sofrimento que acomete os turistas é a tal da foto que PRECISA ser feita. Tipo... aquela fazendo de conta que está segurando a Torre de Pisa, aquela imitando o gesto de Cesare, ou aquela na Fontana di Trevi. 



















São tantos os turistas iguais a você à sua volta, querendo fazer a mesma foto, que, invariavelmente, a maioria das fotos ao final da viagem não servirá  para nada. Grande parte delas será de você e de mais alguém (ou de parte de alguém) que você nunca viu antes (neste momento, começo a divagar e a pensar em quantas fotos minhas estão espalhadas pelo mundo, afinal, eu também sou turista de vez em quando e já devo ter atrapalhado centenas de fotos de outros viajantes). Até acontecer a foto ideal, você deverá fazer várias delas. E isto estressa e estressa também quem está na fila esperando para tirar a mesma foto, daquele melhor ângulo. Afinal, todo monumento que se preze tem um melhor ângulo. Se você acha que você também tem um melhor ângulo, a coisa piora consideravelmente. E para achar o melhor ângulo, vale praticamente tudo.


Ao final da viagem, começa tudo de novo: mala (que se tornou pequena demais para as coisas geralmente inúteis que você comprou), aeroporto, conexão, alfândega, imigração, cansaço e... fuso horário trocado. E depois, o sentimento de culpa por não ter visitado aquele local famoso, aquele restaurante que você leu no guia, a lojinha com preços imperdíveis que seu primo indicou e a igreja que sua mãe recomendou.

Resumindo... turista sofre.


quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Duas cagadas numa noite de verão

Sair na noite romana, no verão, é uma delícia. O sol demora a se pôr, a temperatura convida a uma caminhada, a um sorvete (deliciosos, por sinal)... e ninguém fica em casa.
Foi numa noite destas que fomos dar uma voltinha, eu, o Arão e a Regis (minha sobrinha). Saímos pela Via dei Fori Imperiali e quando chegamos ao final dela, a surpresa: tinha um cara “cagando”, no canteiro da praça. Os mais pudicos que me desculpem, mas não posso usar outro termo para substituir “cagar”. Se eu usasse “defecando”, “fazendo suas necessidades”, ou “obrando” (este termo é antigo, hein, os mais velhos ainda o utilizam), não seria a mesma coisa. Imagina escrever: “o cara estava defecando...”. Nada a ver. Cagar é um verbo de respeito e tem significado próprio. Nada se compara a uma cagada, seja ela no sentido real ou no figurado. E, na Itália, o termo é muito comum. Então, vou usar sem constrangimentos (confesso que um pouco de constrangimento sinto sim, afinal, nasci no interior, sou meio das antigas, mas não posso me render a isto).
Bem, voltando ao assunto, o cara cagou ali sim, mas tinha papel higiênico à mão e se limpou. Sim, senhor. Higiênico.
Seguimos nossa passeggiata  até a Fontana di Trevi, pela Via del Corso. Numa das vielas que desemboca no Corso, ouvimos umas risadas, gente tirando foto e... quando olhamos.... adivinha... uma turista “cagando”. Pois é, se você pensasse na probabilidade de quantas pessoas você encontraria cagando no meio da rua, numa mesma noite, numa mesma passeggiata, em Roma, você não diria que no mínimo duas, certo? Eu não diria.

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Duas malas, dois ritos de passagem e nada em comum


Por vezes, perco um tempão viajando na maionese... fico ligando fatos que - em tese - nada tem a ver um com o outro. Recentemente, isto me ocorreu.  

Para começar o relato de hoje, preciso voltar no tempo. Mais precisamente no ano de 2003, ano de formatura de minha segunda faculdade. Foi um final de curso árduo, cansativo. Eu tenho três grandes amigas de faculdade (a Crica, a Fer e a Mix), e meu marido nos denomina "As Normais". Imagine-se o porquê. Resolvemos que, terminado o curso, faríamos um ritual de passagem. Deveríamos queimar nosso principal trauma (uma prova, um trabalho). Findo o curso, lá fomos nós para o meu apê, vestimos uns lençóis, e descobrimos que não tínhamos pilha na máquina pra tirar umas fotos (é... em 2003 usávamos máquina fotográfica movida a pilha). E aquele momento TINHA de ser registrado, afinal, era nosso ritual de passagem e nenhuma de nós tinha feito aquilo antes. Supermercado perto de casa, capital federal, pilha comprada, os transeuntes achando tudo muito normal nós estarmos vestida de lençóis, afinal, quem mora em metrópole não pode se surpreender com este tipo de coisa, e a Crica resolve pedir a NOTA FISCAL. Doida sim, mas com a nota fiscal em mãos, já que todo cidadão que é consciente tem de pedir a nota fiscal, e blá, blá, blá. E a nota demorando para ser emitida, as três ansiosas esperando a Crica para sair correndo dali. E se algum conhecido aparecesse? Bom, enfim sai a nota fiscal e partimos de volta para minha casa. Apagamos a luz, colocamos um CD de canto gregoriano, botamos fogo nos nossos traumas e fomos tomar um champanhe no lago... Não me pergunte a lógica disto tudo. Não sou psicóloga! Depois vou perguntar pra minha sobrinha e psicóloga Rô o que ela acha a respeito. Agora não dá pra divagar a respeito, que seria fuga de tema. Mas a verdade é que nos sentimos muito bem depois do evento. E até hoje damos boas risadas ao recordar o feito.



Há algumas semanas, testemunhei um fato que me fez recordar o episódio acima. Estou na janela de casa, quando de repente, vejo duas turistas balançando uma mala por sobre um contêiner de lixo, elas fazem que vão jogar e voltam com ele ao ponto inicial, como a gente faz com uma criança, brincando. Deduzo que são estrangeiras, pelo sotaque. Após ensaiar três ou quatro vezes, finalmente depositam a mala no local, fazendo um coro tradicional. Então, posicionam-se em frente ao contêiner, uma de cada lado, e improvisam uma dancinha ritmada, de um lado para o outro, e mais um corinho... Eu as entendo. Um ritual de passagem. Aquela mala deve ter representado muito para elas, seja porque as tenha acompanhado em grandes viagens, seja porque estava se tornando uma mala sem alça. Algo passou, para merecer dancinha e tudo mais. 


Isto tudo, para desaguar em outro momento: recebi a visita de meu cunhado, o Joe, e a empresa aérea perdeu a mala dele em Paris. Ainda no aeroporto, fui com ele fazer a ocorrência. A moça me falou que a mala chegaria ainda naquele dia. Fiquei preocupada. Nada é tão simples. Foram três dias de espera e muitas ligações telefônicas. Em uma delas expliquei para o funcionário italiano que o passageiro estava ficando em casa, que estávamos presos à espera da mala, que estávamos em Roma e não podíamos sair e tal (fiz um draminha para tentar sensibilizar o rapaz). Ele me diz, "mas sai, aproveita, a gente liga quando a mala chegar" (meu grau de preocupação aumenta sensivelmente, penso que esta mala não chegará nunca mais). E eu digo, "mas se estou dentro do Vaticano ou na Capela Sistina, e o telefone toca, como faço?" (terei de voltar correndo pra casa para receber a mala). E ele, tranquilamente, me diz: "põe o celular no vibra". Rimos os dois e terminamos a ligação praticamente como grandes amigos de toda a vida. Viva Roma.

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

O CALDÃO


Moro perto de um local onde há um posto de ajuda humanitária. Sempre aparecem por ali pessoas necessitadas, rostos que já me são familiares.

O da foto, é um deles. Necessitado sim, mas faz ioga. Me pareceu muito justo. O bem-estar é para todos. Achei interessante e muito apropriado.  Eu mesma, em tese uma burguesa assalariada, morro de preguiça de me exercitar ou fazer qualquer atividade. Sinto que aquele ali, que vai pedir auxilio para suprir suas necessidade diárias é muito mais sábio do que eu. Bem, está certo que ele tem um cachimbo do lado, sinal que fuma, e eu não tolero cigarro (os fumantes que me desculpem). Mas isto já é outra historia.

Entre tantos destes que buscam ajuda, tem o Caldão. Quem deu o apelido foi o Arão. Não sei o motivo.  Mas também o apelido me parece apropriado.

O Caldão  é uma figura peculiar. O mais lhe chama a atenção é o fato de que, faça chuva ou faça sol, ele está de casaco de frio, daqueles bem grossos mesmo. E olha que o verão romano é quente.... muito quente.... eu diria, quentíssimo. Mas acho que o Caldão é prevenido. Afinal, logo chega o inverno (aliás, já chegou).

De noite, ele recolhe algumas caixas e dorme no pátio de entrada da igrejinha ao lado de casa. Tudo muito organizado, coloca suas malas e pertences de forma ordeira.

Carrega suas coisinhas num carrinho de bebê. Sempre em ordem (diferentemente do quarto de uma pessoa que eu conheço). Muito organizado, o Caldão.

Acho que o Caldão tem muito a nos ensinar.  Me parece um tipo feliz.

Outro dia, ele resolveu tomar banho. E Roma é pródiga em fontes que jorram incessantemente.  O que chamou a atenção é que ele tomava banho com o seu tradicional e já mencionado casaco de frio, sem tirar.  Enchia uma garrafa e jogava na cabeça, deixando escorrer por sobre o corpo, vestido mesmo. Se esta moda pega... 

domingo, 23 de outubro de 2011

Pequena Grande Città






Achei que deveria comentar alguns acontecimentos recentes que assolaram a Cidade Eterna.
Com poucos dias de intervalo, dois eventos que deixaram cicatrizes na urbe.
Para nós (eu e minha família), um choque de realidade, uma espécie de bem-vindos ao que uma grande cidade é.

No dia 15 de outubro, a cidade se preparou para a manifestação mundial dos indignados. O protesto era contra o capitalismo exacerbado e a qualquer preço, contra o ensino precário, contra os juros altos, enfim, contra tudo aquilo que costumamos protestar, ainda que seja em uma mesa de bar ou numa reunião de família. A cidade se encheu de membros das forças da ordem (polícia mesmo, no bom Português) e se prepara para a ocasião.

Meu carro está por ser guinchado. Não porque parei em local proibido, mas porque a polícia precisa daquele local para bloquear uma passagem. Lá vai o Eli correndo tirar o veículo, afinal, queremos colaborar e carro guinchado não está em nossos planos. Pensei: "mas que exagero".
Lá pelas tantas, algo não vai bem... ao que tudo indica, uma gangue infiltrada no cortejo começa a destruir vitrines, incendiar carros, causar danos a imagens religiosas, enfim... tudo o que não queremos que aconteça nestes momentos. Uma pena. No dia seguinte, a cidade conta o prejuízo. Descubro que muito perto de casa, houve grandes danos ao patrimônio público e privado. Isto em nada vai ajudar na causa. Não era exagerado o tanto de polícia nas ruas. Imagino o que poderia ter ocorrido se os arruaceiros conseguissem ultrapassar o isolamento.
Um dos símbolos negativos da baderna foi um rapaz, encapuzado, atirando um extintor nas forças policiais. Foi preso. Segundo os jornais, é um estudante, faz faculdade à distância (sim, aqui também tem e nada contra, apenas quero noticiar, pois fiquei surpresa com este fato, achei que era novidade brasileira), tem 24 anos, algumas passagens por drogas... e disse que não queria fazer mal a ninguém. Acabou fazendo. Fez mal à causa, a quem teve prejuízo e a ele mesmo e aos seus. 

Passados alguns dias, outro choque: uma chuva intensa alaga a cidade. E meus vizinhos romanos comentam, "Roma é assim mesmo, quando chove, tudo alaga", "as galerias de Roma são da época romana...". Os apartamentos do térreo se alagam. Passei a manhã recebendo vizinhos que vinham ver se meu terraço tinha algum problema. Não tinha. Quer dizer, a proprietária acabou resolvendo aumentar o buraco para escoar a água da chuva... segundo ela, a maior dos últimos 57 anos. Espero que resolva. Notamos que na rua alagada, alguns bueiros tapados pelo lixo impediam o escoamento da água. Alguém resolve ir lá fazer o desbloqueio. O escoamento melhora. Aqui como acolá, o velho problema do lixo jogado nas ruas. Naquela manhã, não consegui sair de casa. A cidade ficou paralisada, o metrô fechou, anunciaram dois mortos. A tragédia também ronda a cabeça do mundo.

Se o leitor olhar bem, verá que as três fotos foram tiradas do mesmo local, apenas numa  perspectiva um pouco diversa. Mas, a primeira, mostra a cidade como eu a vejo, ou como todos gostariam que ela fosse sempre. As outras duas, mostram a cidade como ela fica de vez em quando... não vou dizer que as fotos da manifestação e da enchente mostram a cidade como ela efetivamente é. Não, Roma é bela e ensolarada. Ponto. Quem a faz mudar somos nós.